Cenógrafo com 45 anos de carreira desvenda mistérios do ofício
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Quando você decidiu se tornar cenógrafo de teatro e por quê?
Eu era pintor. Tinha feito faculdade de Filosofia no Rio de Janeiro e fazia pintura figurativa. Eu vi uma exposição do meu futuro professor, Josef Svoboda, que veio para a Bienal em São Paulo e por extensão fez uma exposição no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. E eu sempre me interessei por Teatro, Ópera, Balé, frequentava o Teatro Municipal desde pequeno. Meus parentes são artistas e músicos da orquestra e eu resolvi largar a faculdade de Filosofia e ser cenógrafo, porque eu quis aprender e a vivenciar aquela experiência maravilhosa do Josef Svoboda, um dos maiores cenógrafos do século 20. E ele estava expondo no Rio de Janeiro e eu fui para a Europa estudar com ele e ingressar nesse mundo do Teatro.
Como você avalia o seu papel na história do Teatro Brasileiro?
Tenho uma carreira muito grande. Fiz mais de duzentos trabalhos, quase quarenta e cinco anos de carreira, fiz uma grande exposição em 2006 no Centro Cultural Correios para comemorar 40 anos de profissão. Isso a partir da volta da Europa, em 66. Eu acho que tenho o meu lugar, como acho que outras pessoas têm na história da cultura brasileira.
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Adriana Partinpim |
Que influências você trouxe da Europa para a sua cenografia?
A minha formação na Europa é uma formação muito rigorosa. Eu passei por vários ateliês de pintura, de escultura, marcenaria e fazia as minhas próprias maquetes. A escola do Josef Svoboda é ligada ao abstracionismo, arquitetura abstrata, cinética, os anos 60, e a formação dele é uma formação do teatro eslavo e russo, do construtivismo russo, do cubo-futurismo, passando pela escola da Bauhaus. Eu tive uma formação muito rigorosa e muito interessante, muito diversificada, estudava muito, ia a museus e fazia parte deste trabalho meu e desta formação viajar. Eu ia muito a Berlim, a Paris e a Veneza. Foi uma formação humanística. Hoje é naturalmente um revival com outra técnica, uma técnica mais apurada e mais desenvolvida. Svoboda fazia muitas experiências com luz. Há equipamentos de iluminação que se usam hoje com o nome dele. Ele é um dos criadores da lanterna mágica de Praga e desenhou vários pavilhões internacionais da Tchecoslováquia.
E como você foi parar em Cuba?
Eu terminei o meu curso em Praga em 66 e recebi um convite para participar do Festival Internacional de Teatro, na Casa das Américas e ai eu fui representando o Brasil neste festival. Como eu tinha muitos amigos lá, eu pedi a Casa de Las Américas para ficar trabalhando em Cuba por um tempo no Teatro Studio, que era um teatro de vanguarda na época. Trabalhei em Cuba durante um ano. Viajei a ilha toda com uma peça, que foi a peça que ganhou o prêmio do Festival Internacional de Teatro. Foi logo depois da revolução cubana e existia um grande otimismo na época, porque eles recebiam o apoio da União Soviética. Cuba restituiu para mim a cor, os trópicos, tanto que quando eu retornei fiz “O Rei da Vela”, com José Celso, por influência dessa passagem pelo Caribe. Tinha um rigor europeu, que era um rigor do abstracionismo geométrico, preto, branco, cinza, prata e Cuba restituiu a cor.
"O Rei da Vela", por exemplo, foi um marco na história do teatro brasileiro, tropicalista, que o José Celso fez. Ele me chamou para fazer cenário, figurino, maquiagem e objetos de cena. Eu fiz toda a parte plástica de "O Rei da Vela" que foi considerado o grande momento da virada do teatro brasileiro. Era uma obra do Oswald de Andrade, dos anos 30, que não tinha sido encenada ainda e foi encenada em 67 e influenciou muito o teatro a partir daí. Eram três tipos de estética e foi um momento importante da minha carreira, em que eu pude trabalhar e fazer tudo. Minha geração toda de cenógrafos fazia cenário e figurino, desenhava objetos de cena e móveis. É um pouco diferente hoje, com vários figurinistas, iluminadores. A participação do cenógrafo era muito mais ativa. Hoje várias pessoas contribuem para o espetáculo, mas naquela época nós fazíamos quase tudo, só não entrávamos em cena, mas quando era preciso também entrávamos em cena. Também atuei em uma peça do teatro oficina, mas em uma peça que eu não fiz o cenário, antes mesmo de ir a Cuba. Eu tenho essa visão de dentro da cena e de fora. Isso facilita muito e ajuda na compreensão do espaço e no tipo de mensagem que você quer transmitir para o público, as duas perspectivas.
Hoje há escola de formação específica. A cadeira de cenografia estava ligada à Escola de Belas-Artes, era um ramo da escola. Hoje há uma formação específica técnica de cenografia nas escolas e aliado a novas técnicas e possibilidades técnicas. Mas sempre tivemos ótimos cenógrafos, como o Flávio Império, que veio da arquitetura, um grande artista plástico e cenógrafo que veio do teatro oficina, Anísio Medeiros. Nós tínhamos artistas plásticos que eram cenógrafos bons. O que ainda não existia era uma escola específica. Não existia uma formação técnica e hoje existe, embora com problemas, como há problemas no ensino brasileiro, mas existe a possibilidade de formação técnica.
Primeiro gostar muito de teatro e das artes cênicas. Precisa amar muito essa profissão, porque é uma atividade que existe há 25 séculos. O teatro escrito existe há 25 séculos, desde os gregos, portanto, a profissão de cenógrafo existe desde o teatro grego clássico. Precisa amar o teatro e estudar muito. Se tiver uma formação de arquitetura é melhor, facilita. Mas é preciso amar, como em qualquer profissão, porque o amor desenvolve a criatividade. Pesquisar muito também. Hoje com a internet há uma possibilidade imensa de pesquisa. Mas também precisa saber pesquisar para separar o trigo do joio. O talento eu acho que todos têm. Algumas pessoas têm mais aptidão para escrever, outras para desenhar, mas as pessoas deveriam na realidade fazer tudo e se exercitar em todas as áreas. Essa formação humanística europeia que eu tive me ajudou muito e abriu muitas possibilidades e caminhos para a vida. Hoje as pessoas se especializam demais nas coisas e esquecem as outras áreas e as outras conexões, mas eu acho que os estudantes deveriam voltar a viajar e navegar em outros mares também.
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Jardim das Cerejeiras |
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Celestina |
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